segunda-feira, 17 de março de 2014

Os Rapazes do Huambo

http://www.tvi.iol.pt/programa/reporter-tvi/3008/videos/128753/video/14108431/1


Ontem à noite a TVI emitiu esta reportagem, embora só a tenho visto agora, de madrugada, no site da TVI, deixando acima o link. "Os rapazes do Huambo" mostra-nos as feridas da guerra em Angola, os órfãos que viram os seus pais morrerem, meninos que cresceram sem ninguém, viveram na rua, passaram fome, o sofrimento, mas também os sonhos de todos eles. Estas temáticas são alvo especial do meu interesse nos últimos tempos. Devido à cadeira de Cultura dos Países de Língua Portuguesa, todas as terças e quintas-feiras à noite, viajo aos mais diversos países que falam a nossa língua, fico a conhecer o sofrimento de alguns deles, as marcas da guerra, o renascer das cinzas, a humildade que todos eles têm e a esperança num dia melhor, a entrega às artes, escrita, solidariedade, cultura, conservação patrimonial, etc. Muitos não gostam destas temáticas, talvez porque sejam demasiado duras, porque implicam que lhes cedamos atenção e pensamento. Saio de lá todos os dias comovido e a pensar - temos muito mais a aprender com os exemplos destes povos do que aquilo que se pensa. Temos muita humanidade a absorver deles, muito mais do que aquela que aqui lhes podemos oferecer.

No post anterior falei do sentimento que nós, portugueses, temos neste momento no país. Mas a mim o que me custa mais é a indiferença instalada, o cinzentismo. Em Angola, Moçambique, Brasil, Guiné-Bissau há miséria profunda, há feridas da guerra, crianças órfãs da guerra, da SIDA, há crianças que choram porque não vão à escola e quando vão têm o mínimo e esse mínimo é lhes tanto. E o melhor? O melhor é a humildade com que falam, a doçura que prevaleceu sobre dores e amarguras indescritíveis, o brilho nos olhos, a força de acreditar e de sonhar. Se se fica indiferente a isto, é porque não há o mínimo de empatia e de bom coração nesse alguém. 
Nesta reportagem fiquei comovido e emocionado com dois meninos, dois rapazes, se calhar, da minha idade que sofreram muito mais do que eu, que não tiveram uma infância feliz, cresceram à força, mas que eu os vejo como dois meninos, que me fazem sorrir tal como uma criança o faz.
O primeiro é Benvindo, conhecido como BV, um menino que não vê a mãe há 5 anos, que sofria os maus tratos do pai, da guerra e que ao ser interrogado pelo jornalista se já tinha sofrido muito, sorriu e encolheu os ombos, sem maldade nenhuma, rancor. BV é autor de banda desenhada e tem o sonho de fazer cinema de animação e ir até à América, fazer uma formação profissional nos estúdios da Disney. Quando fala de desenhos animados todo ele brilha. BV acredita que se não parar de trabalhar conseguirá, sonha ir para a faculdade.
Outro menino que me comoveu foi o José Litalato Graciano, que se intitula poeta e que adora escrever e ler. E se é poeta!!! (Que este menino consiga um dia ser poeta reconhecido, sendo que o seu maior sonho era ser um autor de sucesso, reconhecido.) José tem um sorriso lindo, genuíno, sofrido e sonhador.  Quando lhe perguntaram "Os seus pais onde é que estão?" ele sorriu e disse com a maior humildade "Os meus pais simplesmente faleceram". Este menino foi abandonado, dormiu na rua e agora, com a maior doçura do mundo, todos os dias vai à Escola Missionária ler e escrever Poesia e fala-nos com uma paz que é desconcertante.
Temos de ter espírito aberto quando olhamos para estes exemplos, não podemos julgar as mais diferentes realidades nestes países à nossa semelhança, não podemos ter a presunção de nos acharmos superiores, porque não o somos. Amemos a simplicidade deles, a forma como se expressam, a forma como a nossa língua sendo nossa também é deles. 
Espero um dia descobrir uma forma de chegar a eles, sonho um dia poder ajudá-los a sonhar.

5 comentários:

  1. Já pensou em ser professor deles, por exemplo? Ou em experimentar ir nas férias da faculdade fazer serviço como missionário? Ou em, quando termine o curso ir por um ano trabalhar com eles? devem existir organizações que ficariam gratas por ter professores inscritos.

    Do link falamos noutro timing:)

    Gostei, Francisco.

    ResponderEliminar
  2. Sabe Just, penso nisso às vezes. ainda anteontem falava com a Professora da cadeira e ela me dizia que há muita falta de professores nesses países. Não sei se conseguiria dar o passo de ir para tão longe, mas às vezes, apetece-me muito. :))

    Obrigado pela visita. Depois fale-me da reportagem, é um tema sobre o qual a gostaria de ler ou ouvir.

    Beijinhos.

    ResponderEliminar
  3. Bom Dia Francisco:)

    não serei a melhor pessoa para falar desta reportagem:), abre-me a ferida de um sonho não cumprido. Tornei-me professora com o objectivo de ir para as missões. Onde nunca cheguei. Penso muita vez se não poderia cumpri-lo hoje. Contudo, não sei até que ponto a saúde aguentaria. Um ano. Bastava-me um ano. Já experimentei os rapazes cheios de revolta da Casa do Gaiato. Também eles dão boas entrevistas; sorridentes, bem falantes, no hábito de vida difícil que sempre conheceram. Também eles lavam as suas roupas, fazem o seu pão, cultivam a sua comida, tratam os animais que os alimentam. A quinta é auto subsistente. Mas eles não são esses sorrisos para a Tv. E têm uma alma aflita, mãos prontas a socar o primeiro, raivas viscerais que despontam inusitadas, a inchar de gritos, pontapés, pedradas. E, na escola, em fuga a tudo que seja dever, usando de subterfúgios como provocar a piedade pela sua condição. E uma profunda carência de afecto. Se gostam de nós, seguem-nos qual cachorro obediente. São felizes com a nossa presença, sem mais nada. Eu, que tive vários amores fortes, nunca senti em nenhum a naturalidade daquelas crianças; e até a consciência do efémero que lhes acompanha o gosto - de que eu os esqueceria, de que não voltaria a vê-los, de que mesmo as prendas que deixasse não seriam entregues. E foi assim. Entreguei vários presentes que foram vestidos e comidos por quem os recebeu. De certeza. Não os voltei a ver, estavam a trabalhar, estavam no campo, estavam em qualquer lugar (tive várias vezes a sensação de que estariam perto; porém, a casa do gaiato não incentiva contactos com quem não lhe pertence). Quis trazer alguns a minha casa e nunca fui autorizada. Até para os levar ao jardim de Setúbal no Da da Criança - onde andaram doidos de contentes - tive uma briga séria com o padre director que incluíu a promessa de não concorrer no ano seguinte para aquele lugar:)


    Encontrei os garotos de Huambo tão parecidos com os que temos cá na Casa do Gaiato! E toda a nossa ajuda presencial é sempre pouca. Eles pouco ou nada sabem do que é uma família, Francisco

    Lembra-se que, em tempos, apadrinhei com os alunos um garoto de nome Miguel. Talvez eu tenha ajudado a ONG. Mas a minha noção de madrinha vai muito mais longe do que o pouco que eu conheci o Miguel. E nada me satisfez tal apadrinhamento. Pensei numa coisa de integrá-lo na minha família. Pertencermo-nos. E foi nada disso. Na verdade foi uma quota anual.

    O meu sonho é estar lá. No meio daquela pobreza a que pertenço e tão bem conheço.

    Miséria é miséria em qualquer parte do mundo. E a vida vai destruir muitos dos sonhos dos entrevistados. Pode que um ou outro vingue. Porém, mesmo se não somos o que sonhámos - e nem sempre na vida adulta sonhamos igual; ou sequer podemos sonhar o mesmo - somos sempre alguma coisa. Ajudá-los a ser essa alguma coisa, a sentirem-se úteis e com direito ao seu lugar na sociedade, é muito.

    ResponderEliminar
  4. Oh Just, não lhe sabia essa passagem pela Casa do Gaiato. Fiquei maravilhado a ler tudo isto. Ou se sabia, tinha esquecido. Que parvoíce essa do director!!!! Privam-se as crianças de tudo, em nome de quê?

    Fiquei ainda mais surpreendido com o facto de querer ser professora missionária! De certa forma, acho que o foi ao longo dos anos. Mas é o que diz - faltam aqueles sorrisos!!! ( E cá entre nós, talvez parvoíce minha, fiquei cheio de orgulho ao ler este seu sonho e as suas motivações. :)))) )

    Pois esse é o meu receio, que nos transformemos em quotas anuais que nem sabemos muito bem se se traduzem em ajuda real.

    Talvez eu venha a ter coragem de um dia ir conhecer meninos como o Miguel ou como o BV!! Deus queira que o José Graciano chegue a ser um Poeta reconhecido!!! Aquele sorriso vale tudo...

    Ainda vamos juntos numa missão!! Que tal? Mais um projecto? :)

    Beijinho grande e obrigado por tudo!!

    ResponderEliminar