sábado, 22 de junho de 2013

Marques Mendes - O quase comentador




Marques Mendes tenta já há algum tempo singrar no espaço do comentário político em Portugal. Militante do PSD, ex-líder do partido e, particularmente, próximo de Pedro Passos Coelho, tenta inovar no seu comentário mas acaba titubeando naquilo que diz e na forma como o diz.

Pessoalmente, não aprecio a forma como faz comentário político, onde se evidencia claramente a sua tentativa de fazer sombra a Marcelo Rebelo de Sousa. O crescente mediatismo e a forma desastrada como introduz novidades no seu comentário, tal como sempre fez Marcelo Rebelo de Sousa, só que com génio e inteligência, faz de Marques Mendes um comentador algo próximo de uma diva televisiva.

Enquanto Marcelo sabe conciliar o facto de ser militante do PSD, ex-líder partidário e a sua isenção como comentador, preenchendo o seu comentário com outros assuntos da sociedade e nunca abdicando do seu lado académico, que lhe reforça a credibilidade, Marques Mendes consegue mostrar alguns dados, por vezes, enviesados e consegue anunciar factos que só prejudicam o Governo e o Presidente da República. Tudo para mostrar que é o primeiro a saber e a anunciar tais acontecimentos. E é nisto que se nota, o quanto está em "bicos de pés" para que todos o vejam (literalmente).

Recordo dois anúncios desastrosos, um ainda enquanto comentador na TVI 24 onde anunciava antes do Governo e de qualquer outra entidade, os cortes na despesa aconselhados no relatório do FMI discriminando os valores específicos por cada sector do Estado e outro, já na SIC onde anunciava antes de toda a gente e do próprio Presidente da República, que ia ser marcado um Conselho de Estado, que depois não veio a acontecer na data prevista e que causou alguma revolta entre os outros conselheiros e fragilizou ainda mais a figura do Presidente da República, tendo em conta, que cabe ao Presidente marcar e anunciar as datas dos Conselhos de Estado.

Assim, Marques Mendes que tanto critica o Governo pelas suas falhas de comunicação e coordenação (e com razão), acaba por cometer erros de principiante que não lhe reforçam a sua imagem de comunicador.

Não lhe condeno ao insucesso o seu futuro no comentário político, creio que poderá evoluir e emendar-se, mas terá de perceber uma coisa, um bom comentador político tem de saber dançar sem se deixar agarrar, não se escondendo em demasia, nem se expondo descaradamente. E é nesta dança, que Marques Mendes ainda não afinou o passo(s) (Bem tenta afiná-lo).

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Conto de Fadas - Florbela Espanca


Conto de Fadas - Florbela Espanca

Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento...
Trago no nome as letras de uma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
- Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A princesa do conto: "Era uma vez..."


Comecei tarde a viajar pela poesia da Florbela. E hoje, olhando para estes versos, quase que sinto o quanto ela era frágil e difícil de entender, para muitos, uma louca. Mas eu gosto dela... Talvez seja outro louco e a falar tanto de poesia não vou longe! Devia era ser moralista, cair no lugar comum, ir por ali... Ou talvez não...

Na primeira estrofe penso que temos aquilo que as pessoas que nos amam proporcionam - o esquecimento das horas más que vivemos, o conforto, o unguento de tantas feridas...

E na segunda estrofe, temos a Florbela, a Florbela que diz ter gestos de ondas de Sorrento, região italiana, na província de Nápoles, a Florbela que diz ter no nome as letras de uma Flor, tendo-as mesmo. A Florbela de olhos verdes que inspira o pintor para pintar o vento.

E na terceira estrofe talvez tenhamos aquilo que o amor promete, a vida,  o universo que afinal é de todos, o astro que dormita, talvez uma lua ora cheia ora minguante, a comunhão da luz do lusco-fusco dos crepúsculos passados em abraço, o sol dourado que nos aquece e a onda do mar que é a vida arrebatada.

Por fim "Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!" é o verso que dá razão ao que acabo de dizer, a vivência do amor na vida proporcionada neste mundo. E sim, quando se ama alguém, é desse alguém que se tem saudade, Princesa Florbela.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Maria Bethânia - A Palavra


Hoje decidi partilhar um delicioso vídeo da Maria Bethânia, onde a podemos ouvir cantar, ler poesia, falar e rir-se da vida. São 29 minutos de absoluto prazer e ternura. Alguém tão grande como Maria Bethânia, mostra-nos toda a sua humildade e nem todo o seu conhecimento, a convertem numa arrogância intelectual, na qual muitos se encantam. Como diz em certo momento do vídeo "Parece assim que, eu falando, que eu tenho alguma pretensão à intelectualidade. Deus me guarde!".
Fala-nos da importância das conversas à mesa em família, dos professores, que lhe ensinaram a cuidar da palavra e a saber falar. Aliás acerca deles, diz algo maravilhoso e que eu defendo convictamente:

- "Cuidavam da palavra como se cuida de um bebê, entendeu? Aprender a falar é uma coisa muito grande. Aprender a escrever é uma coisa extraordinária. Aprender a usar a palavra, a conversar, a dialogar..."

E é sobre este mesmo cuidado com a palavra que Bethânia continua a falar, sobre a palavra dita. E como a palavra dita é importante... "A palavra dita... Falada. A palavra falada, não é? A poesia, a prosa...". Pessoalmente, sendo um apaixonado por vozes, pela palavra dita, pela forma como cada pessoa sussurra as palavras, dando-lhe maior ou menor ênfase, é algo de sedutor e cativante. E é talvez, uma das maiores lacunas do ensino do Português no nosso sistema de ensino. Não se trabalha a oralidade, um aluno lê um poema ou um texto dramático, como se estivesse a ler um manual de instruções de um microondas. Não pode ser. É necessário treinar a leitura, o discurso, como diz Bethânia "Aprender a falar é uma coisa muito grande."

Depois, são fascinantes a paixão e o conhecimento que uma brasileira tem dos poetas portugueses, a forma como se lhes dirige, a ternura, o carinho e a gratidão que a maior parte dos portugueses não tem. Sobre Pessoa, ficamos a saber a paixão que sente por ele "Fernando, eu já te falo muito, Nando. "Nandinho" é o meu grande romance na vida." Ou como fala de Sophia "Eu quero ler 'dona' Sophia de Mello Breyner.". E de Sophia, lê-nos o poema Procelária.

Procelária

É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala

As suas asas empresta
à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente

Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer seu alimento

Por isso me parece imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo

E no fim de ler este poema lindíssimo, é a alegria e o calor brasileiro que discorrem nas palavras de Bethânia "Essa é danada. Tia Sophia arrebenta!".

Continuando na Poesia, confesso que quando vi o vídeo pela primeira vez, talvez há um ano, me senti envergonhado. Quando começa a ler poemas de Amália Rodrigues e fala dos seus versos, senti-me envergonhado, pois desconhecia, que Amália Rodrigues, também tinha escrito poesia. É verdade. Veio do outro lado do oceano, o puxão de orelhas pelo desconhecimento de mais uma poetisa. 

E ao longo de todo o vídeo, somos brindados com a sua generosidade, com a forma como se diverte com as suas leituras, acerca disso aliás, deixa-nos algumas palavras, onde mais uma vez a sua humildade nos desconcerta:

"A mesma coisa com a música. Eu não sou nenhuma cantora. Eu sou uma cantora reles. Agora, eu adoro cantar e adoro brincar, entendeu, de cantar. Eu sou feliz nisso. Mas sei exatamente o meu tamanho. Nem p'ra menos nem p'ra mais. O meu tamanho."


Já no fim do vídeo, além de cantar uma música muito bonita "Tocando em frente", fala-nos do livro, do livro enquanto objecto, enquanto coisa amada e estimada.

"E aí... eu gosto de livro. Primeiro eu gosto de ver livros, acho lindo livro, gosto de pegar... Quando falam assim "ah, pode pegar na Internet", eu digo "ah, que pena!". Porque eu acho o livro um objecto... Gosto de pegar, gosto de ter perto de mim, gosto que durma comigo. Gosto de botar junto do meu travesseiro, às vezes boto aqui no meu colo... Livro é bonito."