quinta-feira, 28 de março de 2013

O cidadão José Sócrates que um dia foi Primeiro-Ministro

Ontem o cidadão José Sócrates deu a sua primeira entrevista na RTP 1 após quase dois anos de silêncio e recato. Pediram-me que desse a minha opinião sobre esta entrevista e eu disponho-me a fazê-lo.

Em primeiro lugar, quero só referir que não alinhei nem assinei nenhuma petição contra o espaço de comentário político que José Sócrates vai ter. Não creio que seja correcto em Democracia exercer pressão para silenciar seja lá quem for. E o cidadão José Sócrates tem o direito de falar. Assim como, por exemplo, o cidadão Miguel Relvas também o tem, não devendo ser silenciado por ninguém. Com isto, podem-me questionar se sou adepto dos estilos deles ou das suas opções políticas. Ao qual respondo, convictamente, que não! Nunca apoiei José Sócrates, acho que foi irresponsável e obstinado e quanto a Miguel Relvas creio que deveria ter tido o bom senso de se demitir há muito tempo, evitando o desgaste de um governo que governa em condições absolutamente excepcionais. 
Por último, não quis entrar na demagogia dos argumentos que diziam que Sócrates ia ser pago pela RTP 1 com o dinheiro de todos os contribuintes, isto porque desde o início que desconfiei que ele não seria remunerado. Sócrates sabe que muito bem que  melhor do que o dinheiro é o poder que poderá exercer com as suas palavras. E por último, quanto a este assunto, uma das acções que as pessoas podem utilizar em forma de protesto é não seguir os comentários dele, fazendo com que o programa tenha audiências muito baixas. É uma ideia que é compatível com a liberdade de cada um e que não fere a Democracia.

Quanto à entrevista, propriamente dita, penso que foi mal conduzida, cheia de atropelos quer por parte dos jornalistas que faziam perguntas, constantemente de forma desarticulada e sem deixar responder, quer por José Sócrates que tentava impor de forma galopante todo um discurso de defesa. Talvez para a maioria das pessoas, tenha sido confuso.

Depois penso que José Sócrates riscou o disco na palavra "narrativa" que repetiu, inúmeras vezes, sem se dar ao trabalho de utilizar outros sinónimos. Aliás houve vários momentos da entrevista, na qual, José Sócrates teve a intenção de mostrar o seu reforço de conhecimento, não tendo sido feliz nalguns argumentos e adoptando um discurso moralista que neste momento é facilmente aceite sem pensar. Destaco duas afirmações dele : "Mas será que não conseguimos aprender nada com a experiência?"- referente às opções deste governo ou por último, a hilariante referência à Divina Comédia de Dante (há que mostrar que se leu um clássico durante  a estadia em Paris) para retratar a falta de esperança que se vive no país: "Sabe o que me faz lembrar o discurso do Governo ao longo destes dois anos? Faz-me vir ao espírito a frase da Divina Comédia do Dante quando se entra no Inferno, quando o personagem entra no Inferno: "Vós que entrais, abandonai toda a esperança"."

Relativamente aos ajustes de contas, Sócrates foi exímio como não era de estranhar, dando uma "bofetada" a Mário Soares por ter feito declarações ao semanário Sol contando conversas de bastidores, onde referia que tinha sido ele a convencer José Sócrates a pedir a ajuda externa. Sócrates refutou. De seguida, atacou o Presidente da República respondendo-lhe na mesma moeda, ou seja, Cavaco Silva criticou publicamente José Sócrates, um ex-primeiro-ministro, estando ele próprio em funções como Presidente da República. Assim, Sócrates não se compadeceu e arrasou-o publicamente, acusando-o de parcialidade e de oposição ao seu governo, tentanto fragilizar a já fragilizada figura do Presidente. Também este ataque evidenciou que ao longo do tempo de governação a relação entre Primeiro-Ministro e Presidente foi tensa e cheia de desconfiança e rivalidade.
No final da entrevista, José Sócrates ataca a imprensa, nomeadamente o Correio da Manhã por ter publicado notícias que alegavam a vida faustosa do ex-governante na cidade das luzes. Talvez muitos não se tenham lembrado, mas nessa altura e após a saída da TVI, Manuela Moura Guedes foi trabalhar para o Correio da Manhã. Parece-me que a troca de farpas continua entre os dois...


Quanto à sua governação, o discurso foi previsível, elencou como principais bandeiras dos seus governos a aposta na educação e formação e na energia, nomeadamente, nas renováveis. Segundo ele, trouxeram benefícios ao país e eram o caminho para a nossa independência e competitividade face ao exterior. Pois bem, eu até concordaria, caso não conhecesse o caminho de facilitismo que foi seguido na área de educação com 9.º e 12.º anos, feitos em 6 meses ou na questão energética, apostando nas renováveis mas assumindo rendas excessivas para o Estado que assegurava, exclusivamente, os riscos destas explorações energéticas. Aquelas mesmas rendas que a troika ordenou que fossem reduzidas e que fizeram com o actual Ministro Álvaro Santos Pereira  tivesse de efectuar cortes, num exercício que foi difícil e que para muitos ficou aquém do desejável.


No entanto, para mim a questão onde Sócrates esteve mal e onde tentou deturpar os factos foi na questão do endividamento, onde evidenciou algum desconforto e onde os jornalistas estavam mal preparados não sabendo contrapor argumentos. Segundo ele, a dívida pública deve ser vista em dois períodos, antes da crise  de 2008 e depois da crise de 2008. E então José Sócrates apresenta os seguintes dados:
- De 2005 a 2008 há um crescimento da dívida de 5% do PIB
- De 2008 a 2010 há um crescimento da dívida pública na ordem dos 20% do PIB lançando-a dos 71% para os 93 % do PIB
- De 2010 a 2012 há um crescimento da dívida pública na ordem dos 30% ficando a dívida pública nos 123% do PIB.

E é nestes dados que Sócrates foi pouco sério, uma vez que diz que a responsabilidade do crescimento da dívida de 2010 a 2012 é culpa do actual governo. O que é mentira, pois Sócrates governou até Junho de 2011... Logo, além de ser um argumento falso, espanta-me que os jornalistas não tenham reconhecido este facto.

Também na questão do aumento salarial de 2,9% dos funcionários públicos, o ex-governante pôs os pés pelas mãos, dizendo que a medida foi preparada em Setembro de 2008 quando tudo estava bem e que depois não podia voltar atrás. O que também é mentira uma vez que o orçamento de Estado para 2009 foi aprovado apenas em Novembro e antes disso, já a crise tinha surgido. No entanto, Sócrates defendeu a sua medida dizendo que foi o maior aumento salarial da década e que não se tratava de uma medida eleitoralista. 

Por último e aqui sim, a distorção dos factos foi flagrante, Sócrates falou das Parcerias Público-Privadas  (PPP's) com alguma desfaçatez, apresentando os seguintes dados:

- Existem 22 PPP's rodoviárias, no entanto, ele só lançou 8 delas.
- Em 2005 afirmou que os encargos líquidos que herdou das PPP's eram de 23 mil milhões de euros.
- Em 2012 diz que deixa como encargos líquidos com as PPP's 19 mil milhões de euros.

Pois bem, segundo especialistas e eu não o sou, José Sócrates utilizou um único critério para analisar as PPP's, o que não é muito sério. E melhor, eu também apresento alguns dados que ele não referiu:

- Lançou todas as PPP's da área da saúde, 10 ao todo.
- Apesar de só ter lançado 8 PPP's rodoviárias, renegociou as restantes trazendo condições danosas para o Estado, chegando ao ridículo de haver casos onde antes o Estado tinha lucro e passou a ter prejuízo.
- Além disso, se o país já estava tão endividado, não se deve congratular por só ter lançado 8 PPP's rodoviárias, pois se não havia condições, não avançava com nenhuma e não comprometia as gerações futuras com encargos demasiado elevados.


Finalizando, confesso que achei piada ao tom doce e terno das palavras de José Sócrates dizendo que ninguém tem que ter medo do seu regresso e dos seus comentários, apenas os que têm medo da Democracia.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Dia Mundial do Teatro - Um Eléctrico Chamado Desejo

Hoje é o Dia Mundial do Teatro e eu não poderia deixar de falar um bocadinho sobre ele. O texto dramático é sem dúvida dos meus favoritos, passando de Sófocles a Aristófanes, de Henrik Ibsen a Tennessee Williams, a excelência e o génio de todos estes dramaturgos e das suas peças não deixam ninguém indiferente. Portanto, e em vez de falar do estado do Teatro em Portugal, caindo no lugar comum daquilo que é dito, vou falar de uma das peças mais marcantes do Século XX, um clássico de Tennessee Williams - Um Eléctrico Chamado Desejo.

Um Eléctrico Chamado Desejo

Figura 1



Figura 2



Um Eléctrico Chamado Desejo ou na versão original A Streetcar Named Desire é uma peça de teatro da autoria do famoso dramaturgo norte-americano, Tennessee Williams. Levada à cena, em 1947, na Broadway, ficou conhecida em todo o mundo aquando, da sua adaptação ao cinema, em 1951 por Elia Kazan. Nos papéis principais, Vivien Leigh na pele de Blanche Dubois e Marlon Brando, como Stanley Kowalski. (Figura 1)

Em Portugal esteve em cena, recentemente, em Setembro de 2010, no Teatro Nacional Dona Maria II, com encenação de Diogo Infante e contando com a interpretação de Alexandra Lencastre (Blanche Dubois), Albano Jerónimo (Stanley Kowalski) e Lúcia Moniz (Stella). (Figura 2)

Localizada nos finais dos anos 40, a peça decorre num bairro pobre de Nova Orleães. As duas personagens principais confrontam-se durante toda a peça e representam dois mundos oposto: a Blanche Dubois representa uma aristocracia decadente do sul da América, uma América ferida de morte, uma mulher que é educada para entreter, para estar com os homens, mas que depende deles para sobreviver e o Stanley, que é um filho de imigrantes e representa uma nova América, muito mais agressiva, muito mais económica e robusta. E é este mesmo processo de confronto e destruição que é visualizado ao longo da peça, acabando inevitavelmente na condenação da Blanche, porque no limite, como mulher, acaba sempre por ser mais fraca que o homem.

Blanche Dubois, chega ao bairro onde vive a sua irmã Stella e o seu cunhado Stanley Kowalski, um bairro onde exalam os cheiros de banana e café, provenientes dos armazéns fluviais, onde se ouve em cada esquina o tocar de um piano, pela fluência apaixonada dos dedos de um negro. Chega elegantemente vestida de fato branco com corpete sedoso, usa colar e brincos de pérola, luvas brancas e chapéu. Um forte contraste com este lugar. “ Tem mais uns cinco anos do que Stella e a beleza delicada de quem evita a luz intensa. Algo nos seus gestos hesitantes e nas suas roupas brancas faz lembrar uma borboleta nocturna.”. Talvez porque as borboletas nocturnas têm uma grande atracção pela luz, mas quando se aproximam de mais, morrem. Não são borboletas como as outras, com cores sedutoras, são borboletas tristes, acinzentadas, que é aquilo que vai acontecendo ao branco da Blanche ao longo da peça – vai-se sujando, amarrotando…

Blanche é um postal amarelado de um tempo que já não é, vive num mundo irreal, usando máscaras atrás de máscaras, maquilhando-se constantemente, colocando filtros nas lâmpadas: “E apaga essa luz demasiado forte! Apaga isso! Não quero ser vista debaixo desse clarão impiedoso!”, nunca diz a sua idade, tem medo que já não a vejam como uma jovem.

Mente numa necessidade de sobrevivência, de embelezar o que está à sua volta “Eu não quero realismo. Quero magia! Sim, sim, magia! Tento dar isso às pessoas. Falseio um pouco as coisas, Não digo a verdade, digo o que deveria ser a verdade.”.

É uma mulher frágil e decadente, à beira da loucura, que se perdeu quando descobriu que o homem que amava, com quem estava casada se envolvera com outro homem, esse mesmo homem que se matou e a deixou sozinha.

Blanche perdeu as suas terras, em Laurel e por desespero escolhe as piores soluções, vai pelos piores caminhos, é professora de Inglês e envolve-se com um miúdo de 17 anos, um aluno, perde o emprego. Torna-se “persona non grata” na cidade, é marginalizada. Muda-se para um hotel na cidade “O Flamingo”, onde se envolve com muitos homens, quase compulsivamente – “Sim, tive muitas intimidades com estranhos. Depois da morte do Allan… As intimidades com estranhos pareciam ser a única coisa capaz de me encher o coração vazio… Acho que foi o pânico, o pânico apenas, aquilo que me empurrou de um para outro, à procura de alguma protecção (…)”

Durante a peça, Stanley vai fazendo de tudo para derrubar Blanche, tal como ela com a sua arrogância, o vai inferiorizando sempre que pode.

Algo no cunhado, a seduz e a repulsa, a sua brutalidade, o seu ar rude, causam-lhe arrepios, mas nunca deixa a sua arrogância, ela que se deixou entregar a estranhos, foi ganhando uma repugnância a tudo o que é brutal, animal, espontâneo, por isso é que passa a vida a tomar banhos quentes, com uma necessidade de se purificar, mesmo que estejam 38.º graus lá fora. Ambos magoam Stella, que tem uma qualidade congregadora, conciliadora entre estes dois pólos. Blanche aproxima-se de um amigo de Stanley, que fica apaixonado por ela, Harold Mitchell, mais conhecido por Mitch. E quando Blanche pensa que encontrou protecção, alguém que cuide dela, Stanley descobre toda a verdade sobre ela e conta tudo a Mitch, arranja também maneira de a virem buscar a casa, levando-a para um hospital psiquiátrico, condenando-a à loucura definitiva.

A peça termina, com a Blanche a agarrar-se com força ao braço do médico e a dizer “Não sei quem o senhor é, mas… eu sempre dependi da bondade de estranhos.”. 

terça-feira, 26 de março de 2013

O primeiro de muitos

E porque não dizer-se? Porque não? Talvez seja mesmo isso que me motive a criar este blogue, dar a minha opinião sobre diversos assuntos, sem a pretensão do reconhecimento de palavras doutas ou do aplauso de um público fiel e enraizado. Sendo um aluno de Estudos Portugueses, claro que irei falar de Literatura, essencialmente, livros expressos em sugestões de leitura e notas pessoais advindas à sua leitura, não uma crítica literária especializada. Mas também partilharei cinema, grande paixão que sempre me entusiasma e não descansarei sem discorrer sobre o quotidiano, seja em política, artes ou pessoas. No fundo, opinarei sobre o que bem entender e aceito comentários.
Sejam bem-vindos!