quarta-feira, 2 de julho de 2014

Para sempre Sophia!




Nestes últimos dias, a Língua Portuguesa está de Parabéns! Começando pela comemoração dos seus 800 anos (quando se atenta contra ela, contra o nosso país, pensem o quanto a nossa língua já testemunhou e contou), passando pela atribuição do Grammy à carreira de Carlos do Carmo, um dos maiores fadistas portugueses chegamos ao dia de hoje e hoje é dia de Sophia. O dia em que a maior poetisa portuguesa é recebida no Panteão Nacional. E em momentos onde, muitas vezes, apenas sobram as palavras, partilho um dos seus poemas, esperando que para sempre se recorde Sophia.



Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos Teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu não quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a terra
Em Primavera feroz precipitado.

Poema retirado do terceiro livro de Poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen - Coral .

domingo, 29 de junho de 2014

Amigos dos Copos




A previsibilidade é um aborrecimento atroz. Não haver a mínima hipótese de surpresa, de reinvenção, é  como começar a ler um livro a saber-se o final. Perde-se a vontade de ler. E perde-se a vontade de conviver, de conversar, de estar aberto a. Há várias previsibilidades que hoje me fazem enterrar a vontade. A previsibilidade dos amigos dos copos, por exemplo. Não sendo eu um rapazinho de copos, não posso aceder a que se lembrem de mim apenas quando lhes é conveniente. Eu não quero amigos de copos, amigos que estão sempre ocupados para tudo o resto, que nunca agem, mas reagem, que nunca se lembram mas são relembrados. Amigos dos copos é uma metáfora, não sou permanentemente sisudo e avesso à diversão, simplesmente caminho até meio da ponte e há pessoas que nunca o fazem. Minto, caminhar a meio da ponte é o meu desejo, o problema é que por bondade, por vezes, faço toda a travessia até à outra margem. Mas não o faço para sempre. Há quem o faça, enganando-se, tentando mascarar a realidade, dependendo do outro. Eu, no entanto, sou mais radical, mais duro, vou mesmo ao osso e quando vejo que é para cortar, sou de uma firmeza incisiva. Talvez seja amor próprio, dignidade, respeito. Contudo, vejo a vida como árvore de folha caduca, que se renova em estação diária, até ao fim. E nesse fim, que muitas vezes pode estar mais próximo do que pensamos, pode estar a explicação desta minha obstinação e exigência em relação à verdade. À verdade das coisas, das relações, dos sentimentos, dos gestos. Não tenho aptidão para suportar uma paz podre, por isso quando as folhas da minha árvore caem, levam aquilo que jamais pode continuar em mim.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Falsa Tolerância


Confesso que me irrita a falsa tolerância. Aquela com que muitas vezes nos brindam quando gostam de nós. "Aceito-te" porque gosto demasiado de ti para te dispensar. Fechemos os  olhos a essa diferença! Pelo menos até passar um desconhecido também diferente, tão diferente quanto eu, mas muito mais insuportável de tolerar. Aí surge a ignorância enraizada, a miopia trituradora que nada deixa ver além daquilo que se quer e já se viu.
Cai um olhar de repulsa, um distanciamento mínimo de segurança e tu, ali ao lado, vês que és igual ao adversário, só que com clemência. E o que cria esse apaziguamento? A tolerância? Não, talvez a amizade, o amor, que vão matizando as cores demasiado vivas do que não se aceita.
    

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Exílio


Vivo num exílio, não tenho Pátria. Somente a recordação dela na algibeira, para quando o coração mirra entristecido.
Faltam-me as palavras e a vontade delas. A irrelevância e a estupidez prosperam até nos meandros mais recônditos. Tudo redundou num profundo e exagerado NADA. Tontinhas quarentonas publicam fotos e estados de alma nas redes sociais, o povinho esbate-se em questiúnculas de merda e criam-se ajuntamentos para fazer a quadratura do círculo da insignificância.
O "penso, logo existo" degenerou em "esperneio, logo existo" e há uma luta intestina, em bicos de pés para se aparecer. Então, no meio de tais vultos reduzidos, onde tudo é tão (des)interessante, restou-me uma passagem de ir sem voltar...

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Lá Fora



Acordar todos os dias é um desafio, principalmente, em dias de mundo inóspito como os de hoje. Dormir é como voltar à barriga da mãe diariamente, para a redoma que nos protege da selva e nos permite ser leves, voar, ter aconchego. É duro acordar e  sentir este miasma acinzentado em que tudo se tornou, pesam as palavras estúpidas e sem sentido, a desfaçatez, o egoísmo, o chico-espertismo, a maldade e a ignorância. Será que a insignificância veio para ficar?
A competição tornou-se escrava da inveja, olha-se para o lado não para conhecer, mas para verificar se existe algum perigo de ultrapassagem nesta corrida desenfreada do nada, um nada que é tudo para a maioria. Ocorre-me a imagem da mão a fechar-se sobre um punhado de areia, bem que podem apertar, domar, mas a areia escapa, não lhes pertence. A ideia da posse envenena tudo, iludirmo-nos com esse poder e desejarmos possuir talvez seja a prova do quanto nos sobrevalorizamos. Então é como se nos víssemos rodeados de pessoas inflacionadas, uma inflação de avareza, inveja e ignorância, que no seu conjunto nada acrescentam de útil aos indivíduos, apenas os redundam na sua frivolidade.