terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A Confissão de Lúcio - Parte II






Para compreender este romance é fundamental compreender o tema de toda a obra de Mário de Sá-Carneiro e a sua derivação do Modernismo Português. Penso que o grande tema do Modernismo Português é uma certa angústia do "Eu", personificada em Fernando Pessoa com a sua desmultiplicação do Eu, dando origem aos heterónimos; em Almada Negreiros com o "Eu" e a sua relação com a Sociedade evidenciada em Nome de Guerra e em Mário de Sá-Carneiro, com a relação entre o "Eu" e o "Outro".

Mário de Sá-Carneiro brinda-nos em toda a sua obra com o tema central do "Eu" e do "Outro". Um "Eu" decadente e descontente consigo próprio e que vê o seu ideal de perfeição espelhado no "Outro". Então tenta alcançá-lo, possuí-lo e como que por muito que se aproxime, que lhe toque, não chega a possuí-lo, é nos oferecido também um outro tema - que deriva desta relação entre o Eu e o Outro - que é o drama da posse, onde o "Eu" sofre por já não conseguir voltar a si próprio e por não ter alcançado o seu ideal de perfeição. No fundo, este "Eu" está "Aquém" e o "Outro" está "Além".

E "A Confissão de Lúcio" não foge a este tema central, muito pelo contrário - Lúcio representa esse "Eu" decadente que vê no Ricardo, o seu ideal de perfeição. E na impossibilidade de possuí-lo, lidando com a ponte de tédio que leva este "Eu" ao "Outro",  cria Marta, esposa de Ricardo, com quem poderá satisfazer os desejos e ambições, a posse,  que em último caso, com Ricardo seriam impossíveis.
           
Mário de Sá-Carneiro é considerado o Poeta Ícaro, precisamente, devido a este tema, tal como no Mito de Ícaro, onde Ícaro ambiciona voar e aproxima-se demasiado do Sol com as suas asas de cera, que derretem e o lançam numa queda vertiginosa, falhando o seu objectivo de voar em plenitude; este "Eu" também quase possui o "Outro", mas acaba por falhar, por não possuir. 

4 comentários:

  1. "Eu, não sou eu nem sou o outro
    sou qualquer coisa de intermédio
    pilar da ponte de tédio
    que vai de mim para o outro."

    Fora de qualquer interpretação sobre o próprio Mário de Sá Carneiro, ou as obsessões da sua poesia, atrevo-me a dizer que, felizmente nem sempre preocupados com essa divagação impossível, todos nós temos esse ideal inatingível e vivemos entre o que somos e conseguimos e aquele que nunca seremos mas gostaríamos. De tudo que MSC escreve, só não concordo muito com a ponte de tédio. Esse desalento modernista não me quadra.

    Por vezes a ponte falha e não há caminho; por vezes é longa demais e o outro fica longe; por vezes chegamos até ele e afinal não é tão ideal como o pensámos e temos de criar um outro outro para podermos continuar.
    E assim sucessivamente. Com pouco tempo para o tédio:)

    Beijinho

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  2. Mário de Sá-Carneiro era alguém muito especial, marcado pelo suicídio, um pequeno génio que desapareceu muito cedo e que escreveu um Romance maravilhoso, uma história fantástica como disse no post anterior sobre "A Confissão de Lúcio". Encontro uma beleza muito grande na obra dele, embora se reconheça que acaba por ser muito repetitiva. Mas para mim, muito bela! Viva o Modernismo Português! :)

    Beijinho.

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  3. uma musiquinha de que pode gostar:)

    http://www.youtube.com/watch?v=e9RS4biqyAc Paco de Lucia, Concerto de Aranjuez

    E .. Bom Fim de Semana!!!

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