sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Amigo



Tu, Amigo, vem - Almada Negreiros

Tu, Amigo, vem
Já se foi toda a chama do nosso último contacto
Necessitarei eu mais de ti do que tu de mim?
Seria injusto que eu dependesse mais de alguém
que de mim não depende tanto.
Não seria então o que eu penso de nós!
Esperei que se apagasse a chama até ao fim,
vi-a apagar-se a olhos vistos,
até enfriar a própria escuridão
e julguei que apagada a chama
tu estarias de novo na minha frente.
Porque o não estarias se a chama era a mesma
e a mesma escuridão para ambos?
Ter-se-á enganado a chama connosco
ou que acenda por defeito ao nosso contacto?
Responde-me a isto Amigo
que estou só aqui
e se tudo for engano
mais só ficarei.




Não, amigo
tu és injusto
eu dou-me mais do que tu
encontro em ti o que não me dá trabalho procurar
porque te amo.
Aprendo, aprendo contigo mais do que tu comigo
tu deixas-te amar
tu deixaste que eu te ame
que já não posso arrepender-me
nem dar a outro este amor
por enquanto,
sem saber do teu.
Se te enganaste, eu não!
se te enganaste eu seguirei sem ti
talvez para não voltar jamais a ninguém
para ficar suspendido da vida como resto do nosso amor
mas tu, verás, o pior
é para ti:
Quem se engana uma vez em amor
jamais terá a certeza de quando acerta.




Não te desejo mal nenhum a ti
mas ao mundo
que deixa passar tanto engano,
que o permite
que o consente
que o aproveita
e tão imprudente
como se a natureza pudesse fazer o mesmo!
Não, não e não
no circo não há milagres
nenhum palhaço atravessará o círculo
sem rasgar o papel!
É o mistério deste meu amor por ti
que põe a viveza nos meus sentidos
e eu não sou louco a ponto de romper o mistério
a troco de paz para minha inquietação.
Sou do amor
pertenço-lhe
obedeço-lhe a todas as formas que tomem as suas ordens
e conheço-lhas como aos meus dedos.
Não sou como tu, Amigo
que deixaste o mundo equivocar os teus sentidos
e pôr-te arremedos de sentidos
para mistificar a mímica.
Amo-te, amigo
e não te posso ajudar a teres-te
como eu te tenho no meu amor por ti.
Atrapalhou-se-te a vida nas tuas mãos
mas tu lá estás embrulhado na tua atrapalhação
e os curiosos em roda
são os únicos que têm a certeza de te safares daí.


Dizes sempre tudo, Almada... E ao ler isto só pude dizer - Não precisamos de advogados de defesa, bastam-nos os poetas!

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