domingo, 29 de junho de 2014

Amigos dos Copos




A previsibilidade é um aborrecimento atroz. Não haver a mínima hipótese de surpresa, de reinvenção, é  como começar a ler um livro a saber-se o final. Perde-se a vontade de ler. E perde-se a vontade de conviver, de conversar, de estar aberto a. Há várias previsibilidades que hoje me fazem enterrar a vontade. A previsibilidade dos amigos dos copos, por exemplo. Não sendo eu um rapazinho de copos, não posso aceder a que se lembrem de mim apenas quando lhes é conveniente. Eu não quero amigos de copos, amigos que estão sempre ocupados para tudo o resto, que nunca agem, mas reagem, que nunca se lembram mas são relembrados. Amigos dos copos é uma metáfora, não sou permanentemente sisudo e avesso à diversão, simplesmente caminho até meio da ponte e há pessoas que nunca o fazem. Minto, caminhar a meio da ponte é o meu desejo, o problema é que por bondade, por vezes, faço toda a travessia até à outra margem. Mas não o faço para sempre. Há quem o faça, enganando-se, tentando mascarar a realidade, dependendo do outro. Eu, no entanto, sou mais radical, mais duro, vou mesmo ao osso e quando vejo que é para cortar, sou de uma firmeza incisiva. Talvez seja amor próprio, dignidade, respeito. Contudo, vejo a vida como árvore de folha caduca, que se renova em estação diária, até ao fim. E nesse fim, que muitas vezes pode estar mais próximo do que pensamos, pode estar a explicação desta minha obstinação e exigência em relação à verdade. À verdade das coisas, das relações, dos sentimentos, dos gestos. Não tenho aptidão para suportar uma paz podre, por isso quando as folhas da minha árvore caem, levam aquilo que jamais pode continuar em mim.

3 comentários:

  1. Olá Francisco:))

    Quem me dera ser isso que escreve. Cortar recto. Não olhar para trás. E as folhas que caiam por si que as varrerei de seguida. Mas tenho vocação de caixote do lixo:) guardo todas as folhas, não me separo senão por fora. Quem sabe elas são o húmus de que me alimento...

    Por outro lado, atravesso as pontes sem mágoa. Atravesso sempre e dou a mão. Até que do outro lado deixem de esperar-me e brevemente, "não vale a pena atravessares". E ainda assim, Francisco, fico a guardar e a limpar o pó aos dias de caminho. E acho bons todos os passos dados. O que alguém, em algum tempo, teve a capacidade de me fazer sentir, só posso agradecer.

    Eu não sei se são as coisas feitas que contam no viver da gente. Se o ajuste de contas connosco mesmos é numérico. Ou se refere à qualidade das relações que conseguimos, ao que deixámos de nós porque nelas nos gastámos.
    Estou ficando sentimental:)), melhor terminar por aqui.

    PS!: estou a ler Machado de Assis. Não leio o seu trabalho antes das minhas próprias impressões; você leva-me com facilidade para o seu lado. Arrasta-me:))

    Beijinho grande
    PS2: temos de ver os dois a rentrée e você escolhe um concerto, ok? Não esqueci a minha promessa

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  2. Olá Just :)

    Naturalmente, sou menos generoso, menos bondoso. Falo de mínimos e nas relações há marcos sem os quais tudo se complica. Não consigo ficar a alimentar-me da ilusão. E a juventude também deve ser aliada da exigência...

    P.S. - Esse foi um trabalho que podia ter corrido bem, mas a pressa fez com que não saísse como habitualmente saem. Mas as melhorias existem e a consciência de que este não é um momento fácil, também. Detalhes que o meu blog dispensa, mas que depois lhe conto.

    Beijinhos e claro que depois vemos o concerto! :)) Obrigado - POR TUDO!

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  3. Mas é que concordo consigo: há mínimos/marcos que não são de ultrapassar. E pode crer, há caminhos onde não se regressa, deixamos que as ervas se endireitem nos atalhos, alteiem e os tapem. E um dia olhamos e a vereda desapareceu:))

    Ânimo, que a vida é a doer.
    Um abraço

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