terça-feira, 17 de setembro de 2013

morreste-me...


Tinha planeado falar de Peixoto e das suas obras, começando pelo Livro, a primeira obra que li dele. No entanto, e talvez porque a vida bate muitas vezes ao lado daquilo que planeamos, vou falar da segunda obra que li dele e a primeira que ele escreveu – morreste-me . A seu tempo, provavelmente, já no próximo post, falarei do Livro e da minha opinião mais aprofundada sobre o autor.
morreste-me é uma obra avassaladora, forte e comovente, tornando-se duro caminhar ao longo das linhas deste livro. Contudo, arrisco-me a dizer que só quem já perdeu alguém muito importante, conseguirá compreender a dor e saudade, a gratidão e o amor que José Luís Peixoto sente em relação ao pai e transparece na  sua escrita.
Para mim, morreste-me é um regresso ao que foi e deixou de ser, uma viagem para o que é e permanecerá. E é também um retrato de quanto a dor é íntima e por vezes, se calhar, sempre, incompreensível, particular. “Deixaste-te ficar em tudo.” também eu poderia dizer o mesmo de ti, avó... Passaram-se quase oito meses e só aqui, nos livros, encontro compreensão e sentido àquilo que sinto, às lágrimas que não cessam tão facilmente com o passar do tempo. A dor amadurece, mas a saudade intensifica, é estranho. Tenho saudades tuas avó, saudades de te ouvir ao telefone a perguntares se vão bem os estudos, se apanho muito frio quando saio das aulas ao final do dia, saudades de te ouvir dizer “gosto muito de ti meu amor”, “a avó reza muito por ti” e para mim, esta oração era automaticamente convertida em carinho e amor, aconchego. O importante não são avé-marias e pais nossos, o importante são os desejos e as preocupações daquela senhora com quem dormi muitos anos na mesma cama, sempre que a visitava e me aquecia os pés e as mãos sempre frios. Adormecia a ouvi-la rezar e sentia-me sempre protegido. Fazes-me falta... Desculpa avó, mas só agora consigo voltar a escrever algumas palavras sobre ti e o esforço é enorme “Dentro de mim, tu sabes, a dor constante a dor constante”. Quando morreste, escrevi isto:

Esta noite, morreu uma das mulheres da minha vida. A senhora que me ensinou a fazer os primeiros desenhos, que me contava histórias, que brincava comigo, que me ensinou os números e as primeiras letras. A doce e ternurenta senhora com quem dormi até muito tarde, na mesma cama, sempre que a visitava e que me aquecia as mãos bem junto a ela, enquanto a ouvia a rezar o terço. A velhota que me mimava e me fazia doces e bolinhos, botas e camisolas de lã. A senhora que tinha um enorme orgulho em mim, eu sei. Esta noite a minha avó morreu e eu só posso dizer que nunca a vou esquecer! Um beijo enorme avó! Obrigado por todo o teu amor!


 Muito mais haverá a dizer, mas preciso de tempo, só ele me permitirá conseguir olhar de novo para as tuas fotografias sem chorar, só ele me permitirá conseguir falar sem problemas da tua ausência, de tudo aquilo em que deixaste marca e onde te revejo vezes sem conta. Dá-me tempo avó e descansa, eu vou-me orientar, como diz o José Luís Peixoto ao seu pai:

Descansa, pai, dorme pequenino, que levo o teu nome e as tuas certezas e os teus sonhos no espaço dos meus. Descansa, não vou deixar que te aconteça mal. Não se aflija, pai. Sou forte nesta terra nos meus pés. Sou capaz e vou trabalhar e vou trazer de novo aqui o mundo que foi nosso. Vou mesmo, pai. (...) A tua voz a dizer orienta-te, rapaz. Não se apoquente, pai. Eu oriento-me. Pai, não se preocupe comigo. Eu oriento-me. 

4 comentários:

  1. Hummm...acho que tenho um comentário especial para pôr aqui:) neste post tão bonito e comovente, onde a sua avó mora de leve.
    Mas só pode ser mais logo. Agora não tenho tempo.
    beijinho doce

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    1. Está bem. Just. Eu espero e agradeço desde já as suas palavras bonitas. Beijinho.

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  2. Não são as minhas palavras. Ora veja se as reconhece.

    A avó Júlia

    (…) O que quero contar da avó Júlia é uma história que ficou na família e todos sabem. Que lhe sobreviveu e vai passando de uns para os outros.
    Na década de sessenta, a avó Júlia, como a maior parte das pessoas das aldeias, contava os tostões para viver. Mas, apesar disso, ia conseguindo com artes de formiga, comprar alguns miminhos. Um dos miminhos da minha avó foi uma telefonia. E a casa tornou-se outra. A telefonia (a avó nunca lhe chamou rádio) era a alegria e o orgulho da casa. A primeira coisa a mostrar às visitas. Tinha-a sobre a mesa e ouvia-a como um crente ouve uma missa.
    Ora, em certo dia de Inverno, com toda a família reunida à lareira de chão, num aperto de aquecer o corpo todo, a avó Júlia calhou a olhar para o rádio que estava ligado e transmitia uma conversa entre vários senhores. De coração bondoso, a minha avó não resistiu e comentou, “Está tanto frio, os homenzinhos estão lá dentro da telefonia cheios de frio...vou mas é buscá-la e chegá-los ao lume”. E, se o disse, melhor o fez. A telefonia, essa, não resistiu às boas intenções e derreteu ao calor da lareira. A minha avó ficou triste como a noite e levou muito tempo a juntar dinheiro para outro rádio. Aprendeu a lição, é certo. Mas também é verdade que, apesar de reconhecer que não lhe cheirou a carne queimada, não conseguimos que ela acreditasse em ondas sonoras.
    Era assim a minha avó Júlia. Beijinhos para ela.



    Francisco Chambel (cabecinhapensadora)


    Porque as duas são boa companhia uma da outra. E gostam de saber do neto que têm.

    Beijinho

    PS: se quiser o texto todo tb lho envio:)

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    1. :) Oh Just, lembro-me tão bem disto... :) :) :) Já foi há uns bons anos, uns 7. De facto, essa avó, era uma bisavó, a bisavó Júlia, que eu não conheci e que vive em mim, em histórias como esta.

      A minha avó, de que falo neste post, era a Avó Cacilda, com quem tinha uma cumplicidade única.

      Beijinhos e obrigado pelo carinho. :)

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