quarta-feira, 12 de junho de 2013

Maria Bethânia - A Palavra


Hoje decidi partilhar um delicioso vídeo da Maria Bethânia, onde a podemos ouvir cantar, ler poesia, falar e rir-se da vida. São 29 minutos de absoluto prazer e ternura. Alguém tão grande como Maria Bethânia, mostra-nos toda a sua humildade e nem todo o seu conhecimento, a convertem numa arrogância intelectual, na qual muitos se encantam. Como diz em certo momento do vídeo "Parece assim que, eu falando, que eu tenho alguma pretensão à intelectualidade. Deus me guarde!".
Fala-nos da importância das conversas à mesa em família, dos professores, que lhe ensinaram a cuidar da palavra e a saber falar. Aliás acerca deles, diz algo maravilhoso e que eu defendo convictamente:

- "Cuidavam da palavra como se cuida de um bebê, entendeu? Aprender a falar é uma coisa muito grande. Aprender a escrever é uma coisa extraordinária. Aprender a usar a palavra, a conversar, a dialogar..."

E é sobre este mesmo cuidado com a palavra que Bethânia continua a falar, sobre a palavra dita. E como a palavra dita é importante... "A palavra dita... Falada. A palavra falada, não é? A poesia, a prosa...". Pessoalmente, sendo um apaixonado por vozes, pela palavra dita, pela forma como cada pessoa sussurra as palavras, dando-lhe maior ou menor ênfase, é algo de sedutor e cativante. E é talvez, uma das maiores lacunas do ensino do Português no nosso sistema de ensino. Não se trabalha a oralidade, um aluno lê um poema ou um texto dramático, como se estivesse a ler um manual de instruções de um microondas. Não pode ser. É necessário treinar a leitura, o discurso, como diz Bethânia "Aprender a falar é uma coisa muito grande."

Depois, são fascinantes a paixão e o conhecimento que uma brasileira tem dos poetas portugueses, a forma como se lhes dirige, a ternura, o carinho e a gratidão que a maior parte dos portugueses não tem. Sobre Pessoa, ficamos a saber a paixão que sente por ele "Fernando, eu já te falo muito, Nando. "Nandinho" é o meu grande romance na vida." Ou como fala de Sophia "Eu quero ler 'dona' Sophia de Mello Breyner.". E de Sophia, lê-nos o poema Procelária.

Procelária

É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala

As suas asas empresta
à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente

Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer seu alimento

Por isso me parece imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo

E no fim de ler este poema lindíssimo, é a alegria e o calor brasileiro que discorrem nas palavras de Bethânia "Essa é danada. Tia Sophia arrebenta!".

Continuando na Poesia, confesso que quando vi o vídeo pela primeira vez, talvez há um ano, me senti envergonhado. Quando começa a ler poemas de Amália Rodrigues e fala dos seus versos, senti-me envergonhado, pois desconhecia, que Amália Rodrigues, também tinha escrito poesia. É verdade. Veio do outro lado do oceano, o puxão de orelhas pelo desconhecimento de mais uma poetisa. 

E ao longo de todo o vídeo, somos brindados com a sua generosidade, com a forma como se diverte com as suas leituras, acerca disso aliás, deixa-nos algumas palavras, onde mais uma vez a sua humildade nos desconcerta:

"A mesma coisa com a música. Eu não sou nenhuma cantora. Eu sou uma cantora reles. Agora, eu adoro cantar e adoro brincar, entendeu, de cantar. Eu sou feliz nisso. Mas sei exatamente o meu tamanho. Nem p'ra menos nem p'ra mais. O meu tamanho."


Já no fim do vídeo, além de cantar uma música muito bonita "Tocando em frente", fala-nos do livro, do livro enquanto objecto, enquanto coisa amada e estimada.

"E aí... eu gosto de livro. Primeiro eu gosto de ver livros, acho lindo livro, gosto de pegar... Quando falam assim "ah, pode pegar na Internet", eu digo "ah, que pena!". Porque eu acho o livro um objecto... Gosto de pegar, gosto de ter perto de mim, gosto que durma comigo. Gosto de botar junto do meu travesseiro, às vezes boto aqui no meu colo... Livro é bonito."

4 comentários:

  1. Ainda não tive o tempo de ver o vídeo. Mas concordo consigo: Bethânia dá lição a muito português. Ela sabe de Pessoa o que muitos de nós ignoram. E mais que isso: gosta dele, preza-o como família. Canta-o e declama-o, tão bem e com tanta alma que nos envergonha. A mim comove-me assistir tamanho zêlo e carinho.
    Pois é. Amália cantou alguns dos seus próprios poemas. Mas você é jovem. Talvez nem goste de fado. E Bethânia vive no mundo das canções, que não é o seu:)
    Não se sinta culpado por ignorar a Amália poeta.
    E Dona Sophya arrêbenta, ué!

    ResponderEliminar
  2. É verdade Just, comovente a forma como Bethânia trata Fernando Pessoa e a Dona Sophia. :) Tem de ver o vídeo, vai gostar, tenho a certeza. Por acaso, gosto de fado, sim. Não só da Amália, mas de outras cantoras e cantores. É um gosto que vai crescendo, apurando. E a Amália quando ainda cantava em pleno, tinha uma voz única. Agora seguem-se novas fadistas encabeçadas pela Marisa, seguida de uma Ana Moura, uma Mafalda Arnauth ou uma Carminho. O Fado reinventou-se, renovou-se, cruzou-se com outros estilos e é exemplo. E nem todo o fado é triste :)

    ResponderEliminar
  3. É verdade: digo eu que gosto de Amália, oiço as fadistas de que fala e concordo consigo, mas não consigo gostar de fado a não ser o que cada um faz ou tem e vive como pode :))
    E agora vou mesmo ver o vídeo que tão simpaticamente o Francisco aqui colocou:)); tirei um bocadinho para a conversinha de Bethânia.

    E os seus trabalhos dobrados? já desdobrou? oder nicht? e o meu mail? perdeu?
    Beeemmmm...também podemos matar uma saudade pequenina, aqui. Que tal?
    bj

    ResponderEliminar
  4. Espero que tenhas gostado do vídeo, Just! :) Prometo dar notícias muito em breve ;) Beijo

    ResponderEliminar