A fogueira
e Burlado são dois contos que Jack
London usou para personificar duas histórias sobre valores. São duas metáforas
que se mantêm actuais e que nos levam a reflectir.
No Burlado, temos Subienkow, um ladrão de peles que prestes a morrer,
agoniado perante a evidência de uma morte prolongada e dolorosa, começa a
relembrar a sua vida e revisita o passado, conseguindo arranjar uma ideia que
lhe permite fintar o chefe da tribo, que pretendia executá-lo de forma
impiedosa, morrendo assim com toda a grandiosidade e sem sofrimento, tal como
desejara.
Burlado é um conto que nos fala da
perspicácia, da capacidade de não desistirmos perante a mais evidente
dificuldade. Subienkow personifica a audácia, o indivíduo esquemático que
consegue escapar a um destino que lhe tinha sido imposto e que elabora um plano
corajoso, inteligente e mordaz, que faz tremer e pôr em causa a sabedoria e os
esquemas da tribo que o ia condenar a um doloroso fim. Apostando na ambição de
que a tribo iria demonstrar, ao prometer-lhe um remédio milagroso que ao
esfregá-lo na pele, ela ficaria dura como pedra, como ferro, de forma a que
nenhuma arma, por mais afiada que fosse a poderia cortar, Subienkow conseguiu
despistar o chefe da tribo. Exigiu-lhe cem peles de castor, cem libras de peixe
seco, dois trenós e foi ainda mais longe, ao exigir que Makamuk, chefe da
tribo, lhe desse a própria filha para o acompanhar na expedição em busca dos
ingredientes para este maravilhoso remédio.
Tudo isto, para que fosse feita a
grande burla, a burla que ficou a nu quando após uma machadada que decepou
Subienkow, Makamuk viu que tinha sido burlado, que o remédio milagroso não
existia e que tinha sido humilhado perante toda a tribo.
Subienkow conseguiu o que expressara
no início do conto: “Morrer como um bravo e de uma vez, com um sorriso e uma
chalaça...”.
A fogueira fala-nos de insensatez e ignorância, de
arrogância e falta de perspicácia. Neste conto, temos a figura de um homem, um
indivíduo que ignora os perigos de uma caminhada no gelo, com cinquenta graus
negativos. Apesar dos conselhos que ouvira, para o homem, todo aquele frio não
significava prudência e vigilância, em vez disso, significava que apenas tinha
de se agasalhar melhor. Subestimou, tudo e todos, aqueles que o aconselharam a
ter cuidado: “Esses veteranos eram um tanto efeminados, pelo menos alguns
deles, pensou. A única coisa que era
preciso era não perder a cabeça, e tudo correria bem. Quem fosse
verdadeiramente homem podia viajar só.”.
Estava demasiado cheio de si próprio
e avançou no seu trilho, mesmo temendo armadilhas como os regatos de água, que
não congelavam e nos quais podia cair e molhar-se, podendo revelar-se como algo
fatal.
Acompanhava-o um husky nativo, um cão-lobo, que sabia que
não era boa altura para viajar, “o seu instinto era mais certeiro do que o
juízo do homem.”. Além disso não existia uma verdadeira cumplicidade entre o
cão e o homem, mas sim uma relação baseada no medo e na repressão, onde o cão
era o escravo e só conhecia os berros e as chicotadas do homem. Uma relação que
caso fosse o inverso, poderia ter-se revelado útil ao homem quando as
dificuldades se intensificaram. E foram muitas, muitas dificuldades que
culminaram, inevitavelmente, na morte do homem, gelado e abandonado no meio da
sua ignorância e teimosia. Curiosamente, Jack London mostra-nos a imagem final
de um cão que fica junto ao homem, que no desespero, o tenta matar e que ainda
assim, ali fica, até sentir o cheiro da sua morte, o fim do seu repressor. Uma
lição que nos mostra que, na maioria, aqueles que são continuamente oprimidos e
mal tratados conseguem ser muito superiores a todos os seus opressores. Como
dizia Gandhi: “O que mais me impressiona nos fracos, é que eles precisam de
humilhar os outros, para se sentirem fortes...”.
Digo como Ghandi: impressiona-me que a força dos fracos seja cobardia funda; como tudo que vive à custa da humilhação de outrém.
ResponderEliminarSão dois bons contos :) e bem sintetizados.
Parabéns
A humilhação dos outros, será sempre cobardia.
ResponderEliminarSim, Jack London tem contos fantásticos. Imprevisíveis até à última palavra.
Obrigado pelo comentário.
:)
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