sábado, 6 de abril de 2013

Comentário aos Contos "a fogueira" e "Burlado" de Jack London





A fogueira e Burlado são dois contos que Jack London usou para personificar duas histórias sobre valores. São duas metáforas que se mantêm actuais e que nos levam a reflectir.
            No Burlado, temos Subienkow, um ladrão de peles que prestes a morrer, agoniado perante a evidência de uma morte prolongada e dolorosa, começa a relembrar a sua vida e revisita o passado, conseguindo arranjar uma ideia que lhe permite fintar o chefe da tribo, que pretendia executá-lo de forma impiedosa, morrendo assim com toda a grandiosidade e sem sofrimento, tal como desejara.
            Burlado é um conto que nos fala da perspicácia, da capacidade de não desistirmos perante a mais evidente dificuldade. Subienkow personifica a audácia, o indivíduo esquemático que consegue escapar a um destino que lhe tinha sido imposto e que elabora um plano corajoso, inteligente e mordaz, que faz tremer e pôr em causa a sabedoria e os esquemas da tribo que o ia condenar a um doloroso fim. Apostando na ambição de que a tribo iria demonstrar, ao prometer-lhe um remédio milagroso que ao esfregá-lo na pele, ela ficaria dura como pedra, como ferro, de forma a que nenhuma arma, por mais afiada que fosse a poderia cortar, Subienkow conseguiu despistar o chefe da tribo. Exigiu-lhe cem peles de castor, cem libras de peixe seco, dois trenós e foi ainda mais longe, ao exigir que Makamuk, chefe da tribo, lhe desse a própria filha para o acompanhar na expedição em busca dos ingredientes para este maravilhoso remédio.
            Tudo isto, para que fosse feita a grande burla, a burla que ficou a nu quando após uma machadada que decepou Subienkow, Makamuk viu que tinha sido burlado, que o remédio milagroso não existia e que tinha sido humilhado perante toda a tribo.
            Subienkow conseguiu o que expressara no início do conto: “Morrer como um bravo e de uma vez, com um sorriso e uma chalaça...”.
            A fogueira fala-nos de insensatez e ignorância, de arrogância e falta de perspicácia. Neste conto, temos a figura de um homem, um indivíduo que ignora os perigos de uma caminhada no gelo, com cinquenta graus negativos. Apesar dos conselhos que ouvira, para o homem, todo aquele frio não significava prudência e vigilância, em vez disso, significava que apenas tinha de se agasalhar melhor. Subestimou, tudo e todos, aqueles que o aconselharam a ter cuidado: “Esses veteranos eram um tanto efeminados, pelo menos alguns deles, pensou.  A única coisa que era preciso era não perder a cabeça, e tudo correria bem. Quem fosse verdadeiramente homem podia viajar só.”.
            Estava demasiado cheio de si próprio e avançou no seu trilho, mesmo temendo armadilhas como os regatos de água, que não congelavam e nos quais podia cair e molhar-se, podendo revelar-se como algo fatal.
            Acompanhava-o um husky nativo, um cão-lobo, que sabia que não era boa altura para viajar, “o seu instinto era mais certeiro do que o juízo do homem.”. Além disso não existia uma verdadeira cumplicidade entre o cão e o homem, mas sim uma relação baseada no medo e na repressão, onde o cão era o escravo e só conhecia os berros e as chicotadas do homem. Uma relação que caso fosse o inverso, poderia ter-se revelado útil ao homem quando as dificuldades se intensificaram. E foram muitas, muitas dificuldades que culminaram, inevitavelmente, na morte do homem, gelado e abandonado no meio da sua ignorância e teimosia. Curiosamente, Jack London mostra-nos a imagem final de um cão que fica junto ao homem, que no desespero, o tenta matar e que ainda assim, ali fica, até sentir o cheiro da sua morte, o fim do seu repressor. Uma lição que nos mostra que, na maioria, aqueles que são continuamente oprimidos e mal tratados conseguem ser muito superiores a todos os seus opressores. Como dizia Gandhi: “O que mais me impressiona nos fracos, é que eles precisam de humilhar os outros, para se sentirem fortes...”.



3 comentários:

  1. Digo como Ghandi: impressiona-me que a força dos fracos seja cobardia funda; como tudo que vive à custa da humilhação de outrém.

    São dois bons contos :) e bem sintetizados.
    Parabéns

    ResponderEliminar
  2. A humilhação dos outros, será sempre cobardia.

    Sim, Jack London tem contos fantásticos. Imprevisíveis até à última palavra.

    Obrigado pelo comentário.

    ResponderEliminar