quarta-feira, 27 de março de 2013

Dia Mundial do Teatro - Um Eléctrico Chamado Desejo

Hoje é o Dia Mundial do Teatro e eu não poderia deixar de falar um bocadinho sobre ele. O texto dramático é sem dúvida dos meus favoritos, passando de Sófocles a Aristófanes, de Henrik Ibsen a Tennessee Williams, a excelência e o génio de todos estes dramaturgos e das suas peças não deixam ninguém indiferente. Portanto, e em vez de falar do estado do Teatro em Portugal, caindo no lugar comum daquilo que é dito, vou falar de uma das peças mais marcantes do Século XX, um clássico de Tennessee Williams - Um Eléctrico Chamado Desejo.

Um Eléctrico Chamado Desejo

Figura 1



Figura 2



Um Eléctrico Chamado Desejo ou na versão original A Streetcar Named Desire é uma peça de teatro da autoria do famoso dramaturgo norte-americano, Tennessee Williams. Levada à cena, em 1947, na Broadway, ficou conhecida em todo o mundo aquando, da sua adaptação ao cinema, em 1951 por Elia Kazan. Nos papéis principais, Vivien Leigh na pele de Blanche Dubois e Marlon Brando, como Stanley Kowalski. (Figura 1)

Em Portugal esteve em cena, recentemente, em Setembro de 2010, no Teatro Nacional Dona Maria II, com encenação de Diogo Infante e contando com a interpretação de Alexandra Lencastre (Blanche Dubois), Albano Jerónimo (Stanley Kowalski) e Lúcia Moniz (Stella). (Figura 2)

Localizada nos finais dos anos 40, a peça decorre num bairro pobre de Nova Orleães. As duas personagens principais confrontam-se durante toda a peça e representam dois mundos oposto: a Blanche Dubois representa uma aristocracia decadente do sul da América, uma América ferida de morte, uma mulher que é educada para entreter, para estar com os homens, mas que depende deles para sobreviver e o Stanley, que é um filho de imigrantes e representa uma nova América, muito mais agressiva, muito mais económica e robusta. E é este mesmo processo de confronto e destruição que é visualizado ao longo da peça, acabando inevitavelmente na condenação da Blanche, porque no limite, como mulher, acaba sempre por ser mais fraca que o homem.

Blanche Dubois, chega ao bairro onde vive a sua irmã Stella e o seu cunhado Stanley Kowalski, um bairro onde exalam os cheiros de banana e café, provenientes dos armazéns fluviais, onde se ouve em cada esquina o tocar de um piano, pela fluência apaixonada dos dedos de um negro. Chega elegantemente vestida de fato branco com corpete sedoso, usa colar e brincos de pérola, luvas brancas e chapéu. Um forte contraste com este lugar. “ Tem mais uns cinco anos do que Stella e a beleza delicada de quem evita a luz intensa. Algo nos seus gestos hesitantes e nas suas roupas brancas faz lembrar uma borboleta nocturna.”. Talvez porque as borboletas nocturnas têm uma grande atracção pela luz, mas quando se aproximam de mais, morrem. Não são borboletas como as outras, com cores sedutoras, são borboletas tristes, acinzentadas, que é aquilo que vai acontecendo ao branco da Blanche ao longo da peça – vai-se sujando, amarrotando…

Blanche é um postal amarelado de um tempo que já não é, vive num mundo irreal, usando máscaras atrás de máscaras, maquilhando-se constantemente, colocando filtros nas lâmpadas: “E apaga essa luz demasiado forte! Apaga isso! Não quero ser vista debaixo desse clarão impiedoso!”, nunca diz a sua idade, tem medo que já não a vejam como uma jovem.

Mente numa necessidade de sobrevivência, de embelezar o que está à sua volta “Eu não quero realismo. Quero magia! Sim, sim, magia! Tento dar isso às pessoas. Falseio um pouco as coisas, Não digo a verdade, digo o que deveria ser a verdade.”.

É uma mulher frágil e decadente, à beira da loucura, que se perdeu quando descobriu que o homem que amava, com quem estava casada se envolvera com outro homem, esse mesmo homem que se matou e a deixou sozinha.

Blanche perdeu as suas terras, em Laurel e por desespero escolhe as piores soluções, vai pelos piores caminhos, é professora de Inglês e envolve-se com um miúdo de 17 anos, um aluno, perde o emprego. Torna-se “persona non grata” na cidade, é marginalizada. Muda-se para um hotel na cidade “O Flamingo”, onde se envolve com muitos homens, quase compulsivamente – “Sim, tive muitas intimidades com estranhos. Depois da morte do Allan… As intimidades com estranhos pareciam ser a única coisa capaz de me encher o coração vazio… Acho que foi o pânico, o pânico apenas, aquilo que me empurrou de um para outro, à procura de alguma protecção (…)”

Durante a peça, Stanley vai fazendo de tudo para derrubar Blanche, tal como ela com a sua arrogância, o vai inferiorizando sempre que pode.

Algo no cunhado, a seduz e a repulsa, a sua brutalidade, o seu ar rude, causam-lhe arrepios, mas nunca deixa a sua arrogância, ela que se deixou entregar a estranhos, foi ganhando uma repugnância a tudo o que é brutal, animal, espontâneo, por isso é que passa a vida a tomar banhos quentes, com uma necessidade de se purificar, mesmo que estejam 38.º graus lá fora. Ambos magoam Stella, que tem uma qualidade congregadora, conciliadora entre estes dois pólos. Blanche aproxima-se de um amigo de Stanley, que fica apaixonado por ela, Harold Mitchell, mais conhecido por Mitch. E quando Blanche pensa que encontrou protecção, alguém que cuide dela, Stanley descobre toda a verdade sobre ela e conta tudo a Mitch, arranja também maneira de a virem buscar a casa, levando-a para um hospital psiquiátrico, condenando-a à loucura definitiva.

A peça termina, com a Blanche a agarrar-se com força ao braço do médico e a dizer “Não sei quem o senhor é, mas… eu sempre dependi da bondade de estranhos.”. 

2 comentários:

  1. Também gosto muito do filme "Um eléctrico chamado desejo". Curiosamente. a personagem que me subjuga à interpretação é Marlon Brando. Por tudo. Por ser odioso na sua brutalidade; é um ser agressivo, um pequeno déspota, afinal como tantos homens eram e não sei se ainda não serão. E há nele uma sensualidade que extravasa e quase nos agride também.

    Blanche define-se bem a ela mesma na última frase. é uma dependente.

    Parece-me que o problema não é esta Blanche insegura, que se rodeia de mentiras para sobreviver e recusa a realidade. O que vej é um ser humano que é, em alguns momentos, isso mesmo: insegurança que se mascara em exercício de sobrevivência confrangedor. Claro que depois há o estigma dos dois sexos, a panóplia de estereótipos, etc.

    Continue. Estou gostando

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  2. Just me,

    realmente estou de acordo. Em teatro já se conseguiram desempenhos brilhantes com o papel da Blanche, mas o desempenho de Marlon Brando como Stanley é épico. Ele representa tudo isso que diz e demonstra toda essa brutalidade e sensualidade de forma genuína.

    Sim, a Blanche é um grande espelho....

    Obrigado pelo comentário e pela visita.

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